Em sua coletiva na tarde da última quinta-feira (23), quando a cidade naufragava mais uma vez e crianças de colo eram tiradas de uma creche na zona sul — com os pais se arriscando com água até o peito —, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, confessou meio envergonhado que foi um erro extinguir o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) da capital.
Porto Alegre é o exemplo máximo de cidade tentando, há anos, ser o tal do “Estado mínimo”. Quer um “case” de uma administração pública com estado mínimo? Olhe para Porto Alegre.
Quem acabou com o DEP foi Nelson Marchezan, o antecessor. Melo está, portanto, confessando um pecado alheio. O ex-prefeito Marchezan matou o órgão que deveria zelar pela cidade evitando alagamentos e jogou o trabalho no colo de outras autarquias, sobretudo o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), que inicialmente cuidava de esgotos, e não das águas da chuva.
Seria o equivalente a Veneza excluir o órgão público que cuida do sistema antienchentes da cidade, chamado MOSE. Para lembrar: Porto Alegre está quase no nível do mar e tem dezenas de quilômetros de diques, muros e várias bombas hidráulicas justamente pelo risco de inundação.
“O sistema de defesa contra enchentes de Porto Alegre é robusto, eficiente e fácil de operar e manter, mas houve falhas de manutenção porque, entre outras coisas, faltam 2.400 funcionários no DMAE.”
Dá para imaginar que alguém exclua justamente este departamento da cidade? Veja abaixo o sistema antienchente de Veneza. Você imagina algum imbecil matando o órgão que cuida dessa estrutura?
A extinção do DEP acumulou trabalho nas costas de funcionários públicos do DMAE com as promessas de sempre: mais “eficiência” e menos “gastos”.
O DMAE, claro, sofre para dar conta de tudo. Um documento assinado por 33 engenheiros e técnicos do Rio Grande do Sul afirma que o sistema de defesa contra enchentes de Porto Alegre é “robusto, eficiente e fácil de operar e manter”, mas houve falhas de manutenção porque, entre outras coisas, faltam 2.400 funcionários no DMAE.
Funciona assim na cidade “case” do estado mínimo: conforme estrangula o serviço público, “prova” que ele é ineficiente. Receita velha e conhecida.
Vejam a fala de Marchezan ao matar o DEP: aplicar o dinheiro na “vida real” das pessoas. Que vida “real”, senhor Marchezan? Acabou a vida de muita gente. Acabaram-se os negócios. A capital está no chão. Será que o senhor e o MBL — que o apoiou com métodos sórdidos — pedirão desculpas?
Com Melo, o projeto segue. Irão eliminar mais de 3 mil postos de trabalho da limpeza urbana da cidade. Quem estava e estará limpando Porto Alegre depois de passado o caos? Justamente essas pessoas. Alguma alma se convence de que há três fucking mil cargos sobrando no departamento de limpeza urbana?
Publicado originalmente no site do ICL
Sobre os autores
é jornalista e atualmente trabalha no Instituto Cultura Liberta (ICL).